sábado, 8 de dezembro de 2007

A obra de Lúcia Machado de Almeida


O texto a seguir foi apresentado no CELLIP que aconteceu em Guarapuava. Nasceu a partir de minha tese sobre a série Vaga-lume e me permitiu resgatar um nome importante no contexto da literatura escrita para crianças e jovens no Brasil. Lúcia Machado de Almeida morreu enquanto eu escrevia minha tese. Não tive o privilégio de conhecê-la pessoalmente, como pretendia.
O caso da Borboleta Atíria é um de seus livros mais famosos e é um símbolo do pioneirismo dessa escritora, que começou a escrever literatura policial para jovens faz muito, muito tempo....



A obra infanto-juvenil de Lúcia Machado de Almeida no contexto da década de setenta.

Prof. Drª Cátia Toledo Mendonça

Lúcia Machado de Almeida é um nome que anda meio esquecido. Com tantas estrelas contemporâneas, a literatura infanto-juvenil brasileira tem deixado de lado algumas outras, surgidas num passado distante, mas que foram referenciais para as novas, como acontece com essa autora. Por isso, nesta comunicação, pretende-se, com a leitura e análise das obras O escaravelho do diabo, O caso da borboleta Atíria; As aventuras de Xisto, Xisto no espaço, Xisto e o pássaro cósmico e Spharion , resgatar o nome desta escritora no contexto da literatura infanto-juvenil da década de setenta e trazê-lo para a atualidade
Suas primeiras obras, publicadas na década de quarenta, eram destinadas a um público infantil, “na época, crianças de 5/6 anos” (COELHO, 1982,p.471) já poderiam ser enquadradas como narrativas de mistério, uma vez que trazem a figura da “Piabinha detetive” a heroína que está presente em várias histórias, a exemplo de uma tendência da época, na qual as séries que tinham um mesmo personagem vivendo situações diferentes .
Mas foi em 1956, com a publicação de O escaravelho do diabo, na revista O cruzeiro como folhetim, que a autora se projeta para década de setenta, quando ao ser reeditado pela Ática, esse se tornaria um de seus maiores sucessos.
A obra de Lúcia Machado de Almeida, publicada na Série Vaga-lume, é representativa da literatura infanto-juvenil daquela década, quando a escola passou a exigir, em função da Lei 5692, de 1971, a leitura de autores brasileiros.
O primeiro título a constar na Vaga-lume foi O caso da borboleta Atíria, de 1976. Nesta obra, a autora mistura o maravilhoso e a narrativa policial, pois ao acontecer um assassinato na floresta, o detetive Papilio, uma borboleta, passa a investigar o caso, auxiliado por Caligo.
A exemplo de Estórias do fundo do mar, nas quais os personagens animais (peixes) exemplificam o comportamento humano, O caso da borboleta Atíria não apresenta personagens infantis nem juvenis. A zoomorfização dos personagens aproxima as narrativas da fábula, mas até mesmo a descoberta do culpado do crime- Caligo – segue as regras do romance policial: o detetive, pelo processo de observação e dedução, descobre que o criminoso é aquele que estava presente nos locais dos crimes e de quem ninguém suspeitava. Há também a realização de um casamento entre Atíria e o príncipe grilo, elemento feérico cuja presença contribui para a aprovação do público infanto-juvenil e que reforça na narrativa o tom maravilhoso. Temos então uma obra que permeia dois gêneros: o policial e o maravilhoso.
Na edição desta obra há alguns outros elementos interessantes, que são dignos de nota. Ela apresenta uma série de notas de rodapé, com os nomes científicos dos animais e com informações sobre eles, como , por exemplo, seu tempo de vida, sua aparência, seus hábitos e mesmo curiosidades, como esta, na página 10 : “ Há uma cigarra norte-americana que fica 17 anos enterrada, até completar sua evolução.” (ALMEIDA, 1987. ). Essas informações permitem ao leitor compreender melhor as observações feitas pelos personagens ( “Imagine você que ela está enterrada há mais de quatro anos nesse buraco!”) e lhes confere um tom de veracidade, uma vez que endossam uma atitude presente na narrativa.
Se pensarmos que os personagens são animais que falam (em borboletês, de preferência), desenvolvem atividades humanas – o que aproxima a obra da fábula – até se casam, parece singular o fato de associar a essas falas notas de cunho científico, que deslocam o leitor do universo mágico das narrativas infantis para o sisudo mundo da ciência. Essa junção confere à narrativa um caráter ambíguo, que a mantém entre o didático e o imaginário, e a torna ímpar, pois nem mesmo a obra lobatiana mantém o leitor nesse trânsito entre a fantasia e o científico, uma vez que as informações científicas, na obra lobatiana, são dadas pelos próprios personagens, dentro do contexto da fantasia, enquanto que na obra de Lúcia Machado de Almeida há uma voz impessoal, destituída de magia, à margem do texto e do contexto maravilhoso, que informa, formalmente, os dados científicos, mantendo, deste modo, bem marcadas as linhas que separam os dois universos.
Além disso, ao final da obra, junto ao sumário onde são listados os títulos dos vinte capítulos, há uma bibliografia, na qual constam títulos de obras em inglês e em francês, de que foram retiradas as informações passadas ao leitor no decorrer da narrativa. A presença desta bibliografia fortalece o caráter científico das informações e dá à obra legitimação para ser associada á Escola, embora o caráter paradidático seja discutível.
Temos assim um texto singular, no qual há mistura de vários gêneros e funções, em que tanto se pode contar com o desenvolvimento da imaginação como valorizar os aspectos científicos desejáveis pela escola, encontradas nessa obra em que “a intencionalidade lúdico/pedagógica, que visava diretamente o prazer da leitura e a informação a ser transmitida ao seu pequeno destinatário”(COELHO, 1982,p.471) podem ser encontradas..
O escaravelho do diabo é ambém marcada pela presença de elementos da narrativa policial, a história narrada é a de uma série de assassinatos, que têm em comum o fato de todas as vítimas receberem, dias antes, um escaravelho e de serem ruivas.
Hugo, irmão de Alberto é assassinado e esse fato dá origem à investigação, feita por Alberto, com o auxílio do Inspetor Pimentel. Os elementos do romance policial estão presentes, na figura do detetive, no caso Alberto, do seu ajudante, o inspetor Pimentel, e na investigação. Também não há presença de crianças como investigador. A autora mantém os elementos originais do romance policial de enigma, no qual a investigação é o mais importante que o próprio crime. A solução do mistério só é conhecida nas últimas páginas, nas quais Alberto relata ao leitor suas conclusões, depois de terem transcorridos cincos anos após as mortes. As peças do quebra-cabeças se encaixam a partir do momento em que Alberto recebe uma informação sobre um dos personagens, que também havia morrido no incêndio, e sobre quem não recaía nenhuma suspeita. Dessa forma, a reviravolta pega o leitor de surpresa. Apesar disso, há uma outra característica apontada por Todorov como típica do romance policial que não é observada: há um caso de amor, vivido por Alberto e Verônica, que também só se realiza nas últimas páginas, depois do desfecho do mistério. Os encontros e desencontros dos jovens são narrados paralelamente aos crimes, e Verônica chega a ser vista por Alberto com uma das suspeitas. Desfeito o equívoco, Alberto a procura e, como nos romances sentimentais, casam-se e têm um filho, que receberá o nome do irmão de Alberto, morto pelo psicopata.
Como já se viu, esta obra foi publicada inicialmente em forma de folhetim, na revista O cruzeiro e só entrou para Vaga-lume em 1974, com as alterações feitas em função do novo tipo de suporte. Além disso, percebe-se que diferenças das outras obras que mais tarde serão trazidas para a série têm a ver com a proposta original de publicação, pois para ser lida em capítulos, numa revista como a O cruzeiro, cujos leitores não eram crianças, deveria trazer elementos que a aproximassem do romance policial adulto e não do juvenil. Nesse sentido também se justifica a ausência do maravilhoso nesta obra, que não foi escrita, inicialmente, para crianças.
Outro aspecto que chama atenção nesta narrativa é a elaboração da linguagem. Alternando o uso da linguagem científica, com expressões da biologia e a presença de palavras em inglês e francês, a autora se utiliza da mesóclise- por exemplo - Dar-lhe-ei a mensagem- que já não é corrente na língua portuguesa, nem na escrita , muito menos na oralidade, o que a distancia um pouco dos jovens leitores de hoje, mas que era pertinente na época em que foi escrita. Nesse sentido, é interessante assinalar que, apesar dessa aparente dificuldade, a obra é uma das mais citadas pelos leitores da série Vaga-lume.
Outras obras dessa escritora que se inserem na Vaga-lume formam a tríade com um mesmo personagem: Xisto. Assim, temos Aventuras de Xisto, Xisto no espaço e Xisto e o pássaro cósmico. Essas três narrativas misturam elementos do romance de aventuras, com de contos de fadas e com ficção científica.
A primeira delas, Aventuras de Xisto começa com o nascimento do protagonista, que no segundo parágrafo já é apresentado ao leitor órfão de pai e com nove anos, freqüentando uma escola, onde prega uma peça no velho mestre.
Apesar de uma linguagem adaptada para os anos 70- gírias como barato, tá falado... legal, sacando... -, a história narrada se passa num tempo em que “os bruxos ainda não haviam sido completamente expulsos da terra.” (ALMEIDA, 1983. p. 6) e elementos da contemporaneidade se misturam à Idade Média, quando os reis faziam de jovens cavaleiros, para que saíssem andando “ por terras e mares, protegendo os fracos e lutando contra as forças do mal.” (ALMEIDA, 1983, p.15).
Desta forma, a narrativa contém elementos do maravilhoso, do feérico, da novela de cavalaria, mas o leitor, através da linguagem, é trazido para a modernidade. Paralelo a essa modernidade, se lermos a obra de Lúcia Machado de Almeida sob a perspectiva da análise proppiana , encontramos nela vários elementos apontados por Propp como pertinentes ao conto maravilhoso: Xisto, personagem apresentado no início da narrativa, deixa o lar para acabar com os bruxos, para “ sair pelo mundo endireitando as coisas erradas.” (ALMEIDA, 1983.p.15), é o protagonista é o herói buscador, que tem um objeto capaz de auxiliá-lo na luta contra o mal, objeto este que foi roubado por Xisto da caverna onde foi deixado pelo bruxo.Como se pode perceber, há várias funções proppianas que se encaixam na narrativa, até o final, quando Xisto enfrenta os bruxos e , com sua inteligência, os vence. Durante suas andanças, Xisto é transformado em pássaro-a metamorfose é um dos elementos mágicos presentes no conto maravilhoso-e este fato lhe deixa uma cicatriz, fonte de lembrança para seu futuro e que, em outra aventura, irá justificar comportamentos estranhos.
Outro elemento muito forte nesta narrativa é o da novela de cavalaria, também uma das fontes do conto maravilhoso, segundo Nelly Novaes Coelho. As fontes céltico-bretãs, nas quais o real e o imaginário se misturam, têm vários elementos presentes nesta narrativa, pois o herói Xisto apresenta alto nível de espiritualidade e sai em busca do bem, como se viu nos trechos destacados anteriormente. Assim, pelo menos um dos ideais espiritualizantes das novelas arturianas está muito presente: o destemor e a grandeza da alma do herói. Além disso, também é narrado o ritual para que Xisto se torne cavaleiro, à semelhança do apontado por Nelly Novaes Coelho: “ A sagração do cavaleiro obedecia a um longo ritual , com vigílias, jejuns, orações, e era considerada um segundo batismo.” (COELHO, 2003.p.44) Em Xisto, lê-se : “ Segundo o ritual, o candidato deveria não só passar em orações a véspera do dia marcado para a cerimônia da sagração, como também tomar um grande banho, a fim de purificar o corpo.” (ALMEIDA, 1983.p.28) Além disso, as ilustrações confirmam a semelhança de Xisto com os cavaleiros medievais, assim como a descrição de sua partida , na página 31: “E assim, usando armadura completa, partiu o nosso herói, montado num cavalo alazão, acompanhado de seu escudeiro, o feio, barrigudo e fiel Bruzo
Observe-se que ao lançar mão de elementos dos contos de fadas, Lúcia Machado de Almeida cria uma narrativa próxima do gosto infantil e do juvenil, que , apesar de envolvido com a magia dos contos de fadas, não está diante de um conto tradicional, mais próprio para o público infantil, segundo a visão do adolescente em geral.
Outra narrativa desta autora que compõe a série é Xisto no espaço. Esta obra ganhou o prêmio Jabuti de Literatura Infanto-juvenil, da câmara Brasileira do Livro, em 1967. Sua publicação, é , portanto, também anterior à da Vaga-lume.
Nesta obra, embora a personagem principal tenha o mesmo nome, Xisto, não é o mesmo cavaleiro medieval que encontramos. Há uma referência ao cavaleiro andante “o jovem, o bem-amado soberano do país, o nunca assaz louvado cavaleiro andante, o mais medalhado herói da crosta terrestre, o destruidor do ‘Homem planta’ , de ‘ O Que Vê Sem ser Visto’, o de ‘ O Senhor do tempo’! “ (ALMEIDA, 1982, p. 9), mas a narrativa apresenta um jovem de dezessete anos- a mesma idade que Xisto tinha no final de suas aventuras- com traje espacial, que viaja numa nave interplanetária, com ouvido eletrônico, contador Geiger, radioemissor e uma espécie de telinha de televisão, por onde poderia ver a paisagem espacial.
A mistura do contemporâneo com o medieval, já observada em As aventuras de Xisto, nesta obra se expande para além da linguagem, que continua com as mesmas características e contém uma crítica ao uso de construções eruditas. “Esse cara fala tão difícil que enche a gente! Nossa!”(ALMEIDA, 1982, p. 13)
Nesta obra, o que encontramos é o romance de ficção científica, que poderia ser classificado como fantasia científica, nomenclatura utilizada por Arthur Clark , para designar as narrativas nas quais aparece “ a exploração das possibilidades de universos alternativos, com leis naturais diferentes das conhecidas por nós”. Assim, Xisto deve enfrentar Rutus, o soberano de um planeta distante, Minos, onde “O Que Não Tem Sangue” vivia, junto a um povo ”cientificamente muito avançados, pois do contrário não possuiriam aparelhos que lhes permitissem captar” as vozes de Xisto e seus companheiros, mas que deveriam ser seres “nos primórdios da evolução espiritual” (ALMEIDA, 1982. p.10). Nota-se que Lúcia Machado de Almeida continua a falar em espiritualidade, embora a figura do cavaleiro medieval não esteja mais presente. Há um conceito implícito de que há mundos diferentes para diferentes níveis de espiritualidade, planetas habitados por pessoas de desenvolvimento espiritual diferentes, o que nos remete à doutrina espírita, não mais à católica.Por outro lado, há implícita a advertência da morte para a Humanidade inteira , ou para alguns valores essenciais ao ser humano,se o herói não cumprir sua missão.
Esta obra foi premiada dois anos antes da chegada do homem à Lua, em 20 de julho de 1969. As narrativas de Isac Asimov já antecipavam muitos dos feitos testemunhados pela humanidade naquele lendário ano de 69 e as pesquisas espaciais tomavam lugar de destaque na imprensa. Em agosto de 1968, a revista Realidade anunciava, sob a manchete “ Estamos deixando a Terra”, a chegada do homem à Lua e que haveria “em 1978 vôos Terra-Lua semanais e abertos a qualquer um que esteja disposto a pagar os seis mil cruzeiros novos da passagem de ida e volta.” (REALIDADE, ed. especial histórica. p. 48) Hoje sabemos que essa previsão não se cumpriu, mas , naquela época, essa possibilidade habitava o imaginário dos homens.
Júlio Verne, ainda no século XIX, já antecipava as viagens espaciais e trazia a ficção científica para a literatura, com a chamada “literatura de antecipação”. Mas, em 1939, quando foi publicada a primeira obra de Asimov, passou a existir na literatura a idéia de novos mundos que nos anos sessenta, época de viagens espaciais, cria a chamada “mentalidade espacial”, segundo a qual são feitas previsões como a da revista Realidade.
Este foi, então, um caminho escolhido por Lúcia Machado de Almeida para chegar aos jovens.Resgatou um herói que tinha tido boa aceitação entre os leitores e adaptou-o a uma situação contemporânea, vivendo as angústias que o mundo vivia naquele momento.Por isso, os astronautas chegaram ao cosmoporto, onde o povo rezava pelo sucesso da empresa e os dois foram transportados por um guindaste até “uma plataforma elevada, de onde por meio de escada passariam à cabina. “ (p.14)
Assim como na narrativa anterior, as informações científicas são apresentadas ao leitor com detalhes: o aumento aparente do peso de cada um, por causa da rápida aceleração, a sensação de esmagamento; a divisão da aeronave em estágios... tudo como acontecia com as astronaves daquela época. Desta vez, no entanto, as informações não vêm em notas de rodapé, mas inseridas na narrativa. É o narrador onisciente que vai passando para o leitor as sensações vividas pelos dois astronautas, as variações da nave. A descrição da Terra,vista do alto, ainda não é aquela que hoje conhecemos, do planeta azul, embora esta cor já esteja presente na descrição de Xisto: Planeta “redondo e solto no Espaço, rodeado por uma cinta alaranjada, depois azul-pálida e, em seguida, azul forte.”(p.16)No entanto, nota-se uma preocupação em passar o verossímil, que pudesse ser verdade. O espaço da narrativa não é localizado em país algum na Terra- Xisto serve a seu País, sem outro nome, mas uma referência ao samba e à bossa nova pode nos levar a pensar no Brasil, como país onde Xisto vive.
Na descrição da viagem, a autora não se esquece do passeio por fora da nave, que já havia sido experimentado pelos astronautas russos e americanos, mesmo antes da chegada à Lua.As explicações científicas se seguem, até quando dizem respeito às lutas entre o herói e os vilões, Rutus e Glínio.
A terceira narrativa da seqüência é Xisto e o pássaro cósmico. Essa obra teve antes outro título: Xisto e o saca-rolha, que se justifica quando sabemos que Saca-rolha é o nome do vilão da história. É uma continuação de Xisto no espaço e além dos personagens já conhecidos nas outras histórias, encontramos uma nova ameaça vinda do espaço, que chega ao planeta e ao país num disco voador ,oriundo de um planeta desconhecido : uma ave azulada , cuja história se desenvolverá como a do pássaro cósmico.
Na página inicial a autora resgata a primeira obra da tríade , As aventuras de Xisto, e o leitor fica sabendo que um dia Xisto foi canário,ao enfrentar o bruxo Durga e que, ao voltar à forma humana, mantivera algumas características de seus tempos de pássaro e por isso entendia as conversas dos pássaros e em seus país as aves eram tão importantes quanto as pessoas. Além disso, ele mantinha uma peninha amarela em sua cabeça, como lembrança daquela natureza que agora também era sua. Esta relação com os pássaros cria um ponto de contato com a narrativa maravilhosa, embora não rompa com a de ficção científica. No entanto, não deixa de causar um certo estranhamento, uma vez que, de acordo com as normas da ficção científica, pretende-se que as informações passadas sejam verossímeis, tanto que Protônius declara: “-Você se esquece de que estamos em pleno século do átomo. Deve haver alguma explicação científica, mesmo absurda até, para o que estamos assistindo...” (ALMEIDA, 1983.p. 43) No que diz respeito ao universo do conto maravilhoso, essa verossimilhança não é cobrada, pois o leitor faz um pacto de leitura com o texto, e o lê sem questionar a possibilidade de alguém se transformar em pássaro ou de, retornando à forma humana, manter a capacidade de entender o que eles dizem, mesmo sem saber “passarinhês”. Nota-se que mais uma vez a autora mistura os gêneros da literatura de entretenimento , pois apesar do tom de ficção científica encontramos as aventuras vividas por Xisto, ocupando tanta importância quanto esta.
Outra forma de contato com a primeira narrativa da tríade surge desenvolvimento da trama, quando o leitor encontra a montagem de uma peça com o título de As aventuras de Xisto, que resgata os episódios narrados anteriormente, fazendo-os presentes também neste volume. É uma adaptação a que Xisto assiste e se emociona, com a representação de seu papel, desempenhado pelo filho de Protônius. O leitor que leu a primeira história revive vários momentos da aventura. Além disso, há a inserção de um outro gênero, o dramático, no narrativo.
Outra particularidade desta narrativa é que , como nas anteriores, há um cunho informativo sobre ciências, neste caso as leis da Física e da Química são apresentadas como imutáveis em todo o Universo e o processo de formação de moléculas seria idêntico em todas as galáxias. Nota-se que a autora continua a dar conotação científica a seus textos , embora também nesta obra as explicações apareçam sob a perspectiva do narrador, não mais em notas de rodapé. A linguagem é coloquial, com uso de gírias da época- certamente para aproximar-se do leitor jovem- mas o personagem Protônius, o cientista, usa uma variante lingüística que não é entendida pelos outros personagens.
Deve-se destacar que também nesta narrativa Xisto tem apenas dezessete anos, embora já tenha vivido uma série de aventuras nas anteriores. Parece haver uma distensão temporal, porque a viagem que o rapaz fez para fora de seu planeta poderia, segundo a própria narrativa, ter levado anos. Agora , nesta ele é “ ainda quase um adolescente- dezessete anos apenas- e já com tão graves responsabilidades sobre os ombros!”(p.29)Ou seja, o tempo não passou para ele. Esse fato pode ser entendido se pensarmos no tempo mítico, que perpassa a primeira história, no qual a passagem do tempo se faz diferente.
Note-se que a elaboração desta seqüência de narrativas vai ao encontro de uma tendência da época, já apontada anteriormente, de se escreverem séries, nas quais personagens se repetem em aventuras diferentes. Xisto é um personagem que perpassa as três narrativas, embora seus inimigos e suas aventuras sejam diferentes. Também o seguem outros personagens, como Bruzo, que na primeira desempenha o papel de escudeiro, o Professor Van-Van e Protônius.
Para terminarmos de ler as obras juvenis de Lúcia Machado de Almeida publicadas na série Vaga-lume, resta-nos falar de Spharion. De 1979, a obra apresenta 126 páginas e uma nota da autora com as seguintes explicações:

Nota da autora : Ao escrever esta novela de ficção científica, a autora baseou sua fantasia em realidades que vão sendo descobertas, estudadas e confirmadas nessa espantosa era em que estamos vivendo: era do átomo, da energia nuclear, dos vôos interplanetários e dos fenômenos parapsicológicos. Assim sendo, ela recorreu a especialistas em diversas áreas, sem a colaboração dos quais lhe teria sido impossível dar asas a sua imaginação.(ALMEIDA, s/d-prólogo)

Nesta obra, percebe-se a retomada de um tom presente também em Xisto no espaço, em que as referências à espiritualidade são constantes. Ao lermos a nota da autora temos a impressão de uma certa ressonância do texto anterior e a explicação para isso vem da referência à parapsicologia, que nos anos setenta teve seu auge, inclusive pelo sucesso que alguns filmes, como O exorcista, fizeram. O menino de cinco dias, Dico, levita e os pais acham que o menino é endemoniado, pois não conseguem explicação lógica para o que vêem. A criança nasce perto do carnaval- festa pagã, muitas vezes ligada ao mal- e os pais não sabem o que fazer diante da levitação do menino. A narrativa começa assim, causando impacto no leitor com a imagem de um recém-nascido levitando e diante da reação da mãe, que pensa nos nove meses que carregou “aquela coisa” dentro de si. A mãe, atônita, busca explicação para os enjôos que teve durante a gravidez, atribuindo ao bebê. Não se pode deixar de fazer ligação com outro filme de muito sucesso na década de setenta: O bebê de Rosemary. Com direção de Roman Polanski, o filme foi lançado nos Estados Unidos em 1968. Baseado no livro de Ira Levin, este filme trouxe uma discussão sobre as seitas satânicas, e mesmo o texto de Lúcia Machado de Almeida não tendo a proposta de terror, nos remete a ele.
O padre é chamado para fazer o exorcismo, mas há uma explicação da parapsicologia: ele é um sensitivo, não um endemoniado. E são apresentadas, mais uma vez, como são comuns na narrativa desta escritora, explicações científicas para os fenômenos ocorridos com a criança. Além disso, há a utilização de uma linguagem científica para a explicação da doença do pai de Dico, momento em que o menino sensitivo vê o organismo do pai

sendo totalmente invadido por milhares por milhares e milhares de micróbios. Suas formas são estranhas, e a invasão é total. Incrível: o corpo se defende e ataca-os com seus anticorpos.Os glóbulos brancos estão lutando ferozmente contra as bactérias, que vão se desmanchando no líquido das mucosas.uma batalha incrível! Algumas escapam e recomeçam a luta, reforçada por nova invasão de germens.(ALMEIDA, p.81)

Note-se que as explicações poderiam ter sido dadas por um médico a uma criança, se ele desejasse que esta entendesse o processo da infecção, no entanto, poderiam ser dadas também a um adulto, e da mesma forma seriam entendidas. A autora não menospreza o leitor jovem, dá a ele uma visão científica , embora em linguagem acessível.
As várias idéias sob parapsicologia se misturam com as sobre religião, apresentadas através do personagem Dico, o sensitivo e sua família. Nota-se que a autora o utiliza para discutir essas idéias, para trazer ao jovem leitor uma tendência forte na época, como já se viu.Além disso, como já fizera antes, resgata uma narrativa sua e traz para esta um personagem surgido em O escaravelho do diabo: é o inspetor Pimentel que irá auxiliar Dico na resolução do mistério de Spharion.
Esta narrativa, situada em Diamantina, é construída com vários tipos de discurso: há recortes de jornal, trechos de um diário, reprodução de um retrato, além das costumeiras ilustrações.
Há também a utilização de uma outra fonte (itálico) para indicar a voz interior de Dico. Nesses momentos a narrativa, que é em terceira pessoa, passa a ser em primeira, num processo de deslocamento do foco, que exige mais atenção do leitor. Este conhece os fenômenos por que passa o personagem através de seu próprio discurso, pois o narrador onisciente passa-lhe o comando da narrativa.
Ao final da leitura desses seis livros de Lúcia Machado de Almeida pode-se perceber que a autora apresenta características de uma literatura infanto-juvenil tradicional- um certo pedagogismo comum naquela época - mas que também encontramos elementos de uma postura inovadora, na qual se deseja seduzir o leitor e despertá-lo para as idéias de seu tempo. Note-se que este é um elemento constante na literatura de massa: a atualidade informativo-jornalística, de que nos fala Muniz Sodré em sua Teoria da literatura de massa.
Deve-se considerar também que essas obras estão em consonância com as exigências da época em que foram produzidas e que, apesar disso, persistem no tempo, uma das características apontadas por Jauss para que se determine o valor literário de uma obra
Por outro lado, deve-se notar também que o fato de escrever obras dirigidas a um determinado público, com intenção pedagógica ou informativa não fez com que a autora produzisse textos de baixo valor literário. Ao contrário, percebe-se uma grande preocupação com o fazer da obra, na qual vários recursos estilísticos- como a variação de foco narrativo, como a mudança de discurso, a intertextualidade e a intratextualidade- estão presentes. A autora, que foi uma das pioneiras no gênero policial para um público infanto-juvenil brasileiro, revela para os escritores que a seguem um caminho para a literatura escrita para crianças e jovens.
Desse modo, parece inegável a constatação da importância de Lúcia Machado de Almeida, no contexto da literatura infanto-juvenil da década de setenta e também na de hoje.

Referências:
ALMEIDA, L. M. O escaravelho do diabo.11ed.São Paulo: Ática, 1984.
_______ . O caso da borboleta Atíria. 14ed.São Paulo: Ática, 1987.
_______ . Aventuras de Xisto . 16ed.São Paulo: Ática, 1983.
_______ . Xisto no espaço.16ed. São Paulo:Ática, 1982.
_______ . Xisto e o pássaro cósmico. 3ed.São Paulo: Ática, 1983.
_______ . Spharion. São Paulo: Ática, s/d.
COELHO, N. N. Literatura Infantil. Teoria. Análise. Didática. São Paulo: Moderna, 2000.
________. Dicionário Crítico da literatura infantil e juvenil brasileira. São Paulo: Quíron, 1983.
SODRÉ, M. Teoria da literatura de massa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1978.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Sobre a série Vaga-lume, publicada na Gazeta do Povo, Curitiba



26/08/2007
O aniversário da coleção Vaga-lume Série completa 35 anos e ainda encanta leitores de diferentes idades.


Em comemoração à data, a Editora Ática pretende lançar outros títulos – além dos 90 já disponíveis nas livrarias e bibliotecas do país
por LUCIANE HORCEL - GAZETA DO POVO





Presença obrigatória no dia-a-dia de qualquer jovem leitor, a coleção Vaga-lume completa 35 anos de publicação em 2007. Apesar de todas essas décadas, a série nem de longe é ultrapassada. Pelo contrário. Os títulos continuam sendo lidos e apreciados pela galera. Não é à toa que existem inúmeras comunidades no Orkut dedicadas aos livros – uma delas, por exemplo, reúne mais de 27 mil participantes. Por conta do sucesso, a Editora Ática está renovando seu conteúdo editorial, em comemoração ao aniversário. São novos temas e autores para ampliar o catálogo, que atualmente conta com 90 opções.Difícil encontrar quem já não se encantou com o mundo de suspense e aventura da coleção. “Pode-se afirmar que a série resume várias tendências da literatura infanto-juvenil brasileira, que englobam desde uma literatura com tons pedagógicos, como a do casal Fontes; textos engajados, como os de Luiz Puntel; até a literatura de entretenimento puro, como são vários títulos de Marcos Rey. Pode-se, portanto, dizer que ela foi importante para a formação de uma literatura infanto-juvenil brasileira. O que parece ser comum a todos os livros é o compromisso com uma leitura prazerosa”, afirma a professora de Literatura Juvenil da PUCPR, Cátia Toledo, que fez doutorado sobre a série Vaga-lume.É justamente para satisfazer seus leitores que Lourenço Cazarré, autor do livro A Guerra do Lanche (que faz parte da Vaga-lume), escreve. “Gosto de contar histórias que tenham personagens divertidos, tramas rocambolescas e diálogos afiados, irônicos. Portanto, escrevo para que os jovens tenham prazer ao ler os meus livros. Embora em alguns deles tenha tratado de temas sociais delicados, não escrevo obras com ‘mensagens’. A missão base como autor de livros para jovens é despertar neles a paixão pela leitura. Livros chatos afastam a garotada”, declara o autor.E de chatos, os livros da Vaga-lume não têm nada. “Monteiro Lobato é quem inaugura a vinculação da literatura na escola, com a publicação de milhares de volumes de Reinações de Narizinho. E a coleção Vaga-lume chega para dar cor à literatura infantil e juvenil. Sem contar que inaugurou um estilo: um texto ágil, dinâmico, cheio de diálogos e de ações. Esse é o tempero, o molho, se podemos dizer assim, dos textos juvenis. O que é necessário, já que compete com os games, com a internet, com o mundo da informática”, declara o autor Luiz Puntel, que tem vários textos que compõem a série.Entre os grandes sucessos da coleção está o título A Ilha Perdida, de Maria José Dupré, que reúne as principais características da série. “A coleção se especializou em temas policiais, de aventuras e fez isso numa época em que a literatura infanto-juvenil estava passando por um ciclo de ‘bom-mocismo’, isto é, em que as personagens eram sempre obedientes e corretas. Assim, ao ter como proposta a aventura e a trama policial, a Vaga-lume foi muito mais sedutora para o público”, explica o professor do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Frederico Fernandes, que é doutor em literatura e escritor.A inspiração para tantas histórias fantásticas parte da observação do nosso “glorioso cotidiano”, garantem os autores. “Geralmente, parto de uma idéia básica e vou escrevendo, tendo o bom senso de deixar que os personagens procurem seu espaço. Eles sabem mais da trama que o próprio autor”, diz Raul Drewnick, autor de Um Inimigo em Cada Esquina e outros títulos pela coleção. Embarque nessa aventura!

domingo, 11 de novembro de 2007

Casa da Leitura- Lygia Bojunga Nunes


No próximo dia 13, terça-feira, estarei participando da Roda de Leituras, da Casa da Leitura, perto do parque Barigüi. Falarei sobre a obra Os colegas, de Lygia Bojunga Nunes. Li quase toda a obra dessa escritora e tenho vários trabalhos apresentados em congressos , resultado dos estudos feitos.

Quaro aproveitar esta postagem para colocar a foto dos componentes do meu grupo de pesquisa que, no ano que vem, continuará voltado para a literatura de entretenimento. Falta o Jones, que não estava lá na hora da foto.
Pela ordem em que aparecem: Carla, Leonardo, eu, Andressa, Silmara e Sara.
Todos apaixonados por literatura! Não é ótimo?

O Brasil de Monteiro Lobato- Curso na UFPR


A aluna Fabianada Cunha Medeiros, do curso de Letras da UFPR, está criando um núcleo de estudos sobre Literatura Infantil naquela universidade. Deve-se louvar a atitude dessa estudante que, percebendo a grande lacuna existente nesse campo, em Curitiba, tomou para si a iniciativa.
Para iniciar o núcleo, promoveu um evento, no qual três professores falarão sobre Lobato, abordando ângulos diferentes. Ontem, 10 de outubro, tive o privilégio de iniciar o ciclo, com uma abordagem sobre o Brasil que se caracteriza na obra de Lobato. Analisei o artigo A velha praga, o conto Urupês e depois as obras infantis, que não são traduções ou adaptações. As obras didáticas também estiveram em pauta, embora vistas rapidamente.
Falamos bastante sobre a questão do petróleo, tão defendida por Lobato, de atualidade ímpar, se compararmos trechos de seu livro "O escândalo do petróleo e do ferro" com as notícias de hoje. Vejamos:
Em O escândalo do petróleo...: "País possuidor desse precioso combustível verá os milhões possuídos pelo resto do mundo afluirem para seus cofres.(...) O país que dominar pelo petróleo dominará também o comércio do mundo. Exércitos , marinhas, dinheiro e mesmo populações inteiras de nada valerão diante da falta de petróleo.(...) dada a sua área, a quantidade de petróleo no Brasil talvez seja maior que a de qualquer outro país mo mundo"(p.10)
No livro " O poço do Visconde" : " Então, por que não se perfura no Brasil? Porque as companhias estrangeiras que nos vendem petróleo não têm interesse nisso. e como não têm interesse nisso, foram convencendo o brasileiro de que aqui, neste enorme território, não havia petróleo. e os brasileiros bobamente se deixaram convencer...(p.26)
Notícia em Folha de São Paulo, hoje, 11 de novembro, sobre a descoberta de um campo de petróleo que pode aumentar em 50% as reservas nacionais: "Uma geração de brasileiros formou-se na teoria da conspiração segundo a qual o país boiava em petróleo, mas os trustes americanos e uma "camorra geológica" nativa escondiam-no. As peças mais venenosas dessa mitologia foram dois livros de Monteiro Lobato, "O escândalo do petróleo" e "O poço do Visconde", escrito para crianças em 1937. Nesse, para horror dos trustes, a turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo fura o poço Caraminguá 1 e consegue uma produção de 500 barris diários."(Folha de São Paulo, 11/11/07, p.A14) Elio Gaspari continua seu texto discorrendo sobre os outros vários brasileiros que afirmaram a existência de petróleo no Brasil e que foram"varridos para baixo do tapete".
Apesar das palavras um tanto agressivas, como "peças mais venenosas dessa mitologia", parece impossível negar a antecipadora percepção de Lobato e não se deve esquecer o quanto ele lutou para que houvesse exploração de petróleo no Brasil. Se o tivessem ouvido, lá na década de trinta do século XX, talvez "A miséria tanta de certas zonas, em que a grande massa da população rural já está perdendo a forma"(p.11) ou talvez a situação de miséria crônica que se vê em certas regiões brasileiras, como o Nordeste, não existissem.... Se não tivesse sido preso, exilado, por suas palavras contundentes contra o governo , talvez hoje o Sítio do Pica-Pau Amarelo não exitisse só na tenebrosa versão global.....

É sempre um prazer falar em Lobato. Só acho que se fala mais sobre ele do que são lidas as suas obras. É uma pena. Foi um grande homem, um grande brasileiro, um grande escritor!

Entrevista ao jornal O Povo, de Fortaleza.

Vida & Arte
LITERATURA

Órfãos da bruxaria
Amanda Queirós da Redação
É o fim de Harry Potter para os fãs brasileiros. O último livro da série chega hoje traduzido às livrarias. Em Fortaleza, até uma festa de lançamento será realizada na Siciliano (Del Passeo)

10/11/2007 01:10 Quinto filme da série, Harry Potter e a Ordem da Fênix, foi lançado em junho no Brasil (Divulgação)
Hoje é dia de festa para os fãs do bruxinho Harry Potter. Quatro meses depois do lançamento mundial, o último livro da série de sete volumes chega finalmente às prateleiras brasileiras em sua versão em português. Harry Potter e as Relíquias da Morte, publicado pela Rocco, encerra a saga do bruxo contra o vilão Lord Voldemort. Após as 590 páginas, não tem mais jeito. Acabou de vez. Na falta de algo pelo qual esperar, o que vão ler agora os órfãos deixados pela escritora britânica J.K. Rowling? Aliás, eles vão mesmo ler algo? Para além do fenômeno de massa, Harry Potter conseguiu formar novos leitores? Para estudiosos de literatura infanto-juvenil, a resposta é sim. De acordo com o coordenador do Mestrado em Letras da Universidade de Passo Fundo, Miguel Rettenmaier, pode-se encontrar dois tipos distintos de leitores do bruxo. O primeiro se refere àqueles que se prenderam à imagem da personagem como produto da indústria cultural. O segundo, aos que, mesmo inconscientemente, enxergaram no mundo mágico de Hogwarts um hipertexto para várias mitologias. "Esse seria, digamos, o leitor de Rowling, que, uma vez iniciado nas emoções da leitura dos seus livros, talvez tenha sido inoculado de paixão pela literatura", afirma. Rettenmaier organizou o livro Além da plataforma nove e meia: pensando o fenômeno Harry Potter, que reúne artigos sobre a série. De acordo com ele, o fenômeno Harry Potter conseguiu despertar o olhar dos jovens para uma literatura capaz de funcionar como instrumento de entretenimento e de prazer. "O fato é que a série de livros de Rowling não caiu na mochila escolar dos jovens, não veio a eles como um recurso educativo; caiu na caixa de brinquedos dos meninos... e restituiu a eles uma coisa na qual a escola tem se saído muito mal: proporcionar lazer e prazer", diz o pesquisador. O estudante Victor Ferrere, de 14 anos, foi um desses que se encontrou com a leitura por meio de Harry Potter. Aos nove anos, vieram os primeiros livros da série. No intervalo entre o lançamento de um volume outro, foi a hora de dar chance para outras obras. "Nessa época, eu comecei a procurar livros parecidos com Harry Potter. Agora, já leio outros já nem tão parecidos assim", diz. Entre os favoritos, estão os das séries Artemis Fowl, de Eoin Colfer, e Desventuras em Série, de Lemony Snicket. Ele também já devorou uns três volumes da série Gossip Girl, de Cecily von Ziegesar, que recentemente se tornou seriado de TV. "Esses são bem mais jovens que fantasiosos". Nas mãos dele, clássicos como Senhora e Cinco Minutos, de José de Alencar, também já começam a agradar (apesar de serem leitura obrigatória da escola). A maior parte da biblioteca do também estudante Vladson Lima, de 16 anos, é composta de livros relacionados ao universo potteriano. São mais de 20 livros sobre o tema. Ele não costuma freqüentar livrarias, mas se inteira de novidades literárias pela internet a partir de dicas de outros fãs do bruxo. Foi assim que ele descobriu a série Fronteiras do Universo, de Philip Pullman, por exemplo. "Depois que comecei a ler Harry Potter, as minhas notas em redação subiram muito até porque também comecei a participar de RPG (jogos de interpretação), que trabalham muito com a escrita", afirma. Potter e Rosa De acordo com a professora Cátia Toledo, do departamento de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), esses livros misturam ingredientes comuns para se aproximarem dos jovens, como trama simples, personagens planas, linguagem coloquial, atualidades jornalísticas e, muitas vezes, certa dosagem de sensualidade. Independente da qualidade do escrito, vale a pena ler? "Há alguns professores que acham que quem lê Harry Potter nunca chegará a Guimarães Rosa. Mas quantos brasileiros, que não estudaram Letras, leram ou lerão Guimarães Rosa? Outra questão: só quem lê Guimarães Rosa deve ser respeitado enquanto leitor? A literatura juvenil não tem que criar um só tipo de leitor. Ela pode e deve desenvolver as potencialidades leitoras de cada um dentro de suas particularidades", conclui a professora, cuja tese de doutoramento se voltou para a pesquisa sobre a coleção brasileira Vaga-lume (Ed. Ática), voltada para os jovens. Miguel Rettenmaier concorda e acrescenta um ponto. "A grande questão é que essa leitura, em determinado momento, deve acionar não apenas elementos decodificatórios ou compreensivos. Deve atingir estágios de interpretação, que são mais complexos. Machado de Assis e Guimarães Rosa, por exemplo, são sempre um ponto a atingir quando se está formando leitores".

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Por que Literatura Juvenil ?


Os rótulos podem enganar. Literatura, a boa literatura, não precisa de adjetivos que determimen idade, gênero, opção sexual ou raça. É só literatura.

No entanto, não se pode negar que a literatura escrita para jovens tem suas particularidades. A primeira é justamente que o qualificativo não diz respeito ao seu produtor, mas àquele a que se destina.
Essa ái ao lado sou, quando tinha uns sete anos. Já gostava de ler (comecei com 6 e não parei mais) e a revista em minha mão, com certeza, já me trazia prazer. Era destinada ao público infantil, era para mim...

Os opositores dos "rótulos" infantil e juvenil alegam que obras como as de Marina Colasanti ou Bartolomeu Campos Queirós não têm um leitor determinado: podem ser lidas por adultos ou crianças. Respeitando-se as diferenças possíveis entre um ser de sete anos e um de setenta, imagino quão diferentes podem ser os entendimentos de obras como "Em busca do tempo perdido" para esses mesmos seres.

Mas, se não existem os "rótulos" infantil e juvenil , também não deve existir o adulta. Leitores de sete ou de setenta deveriam poder , também, ler a obra desse excelente autor.

Sabe-se , no entanto, que não é assim que as coisas acontecem. Mesmo em adaptações para quadrinhos, crianças de sete anos dificilmente se sentirão atraídas pela obra francesa, embora muitos adultos de setenta anos adorem ler revistas em quadrinhos....

O fato é que os interesses são diferentes e que as obras têm atrativos diferentes para leitores infantis, juvenis e adultos. É claro que há crianças precoces, jovens "bicho grilo" e adultecentes, que fogem aos padrões comuns de preferências de cada grupo. Exceções existem em tudo.

Mas convenhamos: qual adolescente gosta de ler "Os Lusíadas"? Não estou falando em ler ou não ler, mas sobre "gostar de ler", aquele sentimento resultante da fruição de uma obra com a qual nos identificamos.

Harold Bloom afirma que só gostamos das obras que têm algo a ver conosco, que, de algum modo, respondem a perguntas nossas. Todorov, em entrevista recente, afirma que também ele passou pela "leitura de juventude", composta de livros leves, agradáveis, para depois chegar aos clássicos. Bela dupla: Bloom e Todorov!
Drummond, em sua "Infância" , não sabia que sua história eram mais bonita que a de Robson Crusoe!

Por que, então, em nosso país, a Academia condena tanto a dita literatura de entretenimento, que , geralmente, é a porta de entrada dos jovens para o desenvolvimeto de seu papel de leitor? Por que condenam os 15 livros de Marcos Rey, que fizeram parte da série Vaga-lume, e que são enorme sucesso entre os leitores jovens?

Literatura juvenil: para que e por quê? Porque acredito que esse seja o caminho para revertermos parte do cenário caótico de leitura em nosso país, porque percebo que é justamente enquanto adolescente que o sujeito se afasta do livro, às vezes até para retomá-lo mais tarde, quando poderá ler o que quiser, o que lhe der prazer, sem fazer provas, resumos, sem dar satisfações a ninguém.

E também porque poucos lhe dão a atenção que deve ter, até pela importância na história de cada um de nós, leitores de todas as idades.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Os primeiros resultados


Embora ainda não tenha recebido nenhum comentário sobre meu blog, quero registrar os primeiros resultados de meu grupo de estudos sobre Literatura de Entretenimento.

Na terça-feira, dia 30 de outubro de 2007, o grupo fez uma comunicação coordenada no 8º Forum de letras da PUCPR.

A Carla Alves abriu a fala com uma apresentação das características gerais da Literatura de entretenimento.

Depois foi o Leonardo Meimes, que falou lindamente sobre Voltaire, Zadig e a importância desse personagem para a formação da literatura policial contemporânea.

A Andressa Osório falou sobre Edgar Alan Poe e sobre a criação de Dupin, o paradigma dos detetives que vieram depois.

Sobre a literatura juvenil, falaram a Sara Yamane- sobre "O mmistério do cinco estrelas", de Marcos rei, e a Silmara Arco Verde falou sobre a obra de Pedro Bandeira, em especial, sobre "A droga da obediência".

Quem fechou as comunicações foi o Jones Custódio, falando sobre Garcia Rosa, autor carioca que tem feito muito sucesso entre os leitores e a crítica.

Agora precisamos encontrar um nome para o grupo e registrá-lo. Também quero publicar, aqui, os ensaios deles.

Sábado, dia 10 de novembro, vou dar um curso na UFPR, sobre Monteiro Lobato. Estou preparando tudo com muito carinho, porque esse é um autor que tenho estudado e por quem tenho um carinho especial.... A imagem acima é de uma outra palestra que fiz na Federal, sobre Literatura e cinema....

Por hoje é só...E já não é pouco...

segunda-feira, 8 de outubro de 2007


Este blog nasce da vontade de dividir experiências profissionais e aspirações pessoais, com outras pessoas que, como eu, amem a Literatura e, em particular, dediquem-se à leitura e estudo das literaturas Infantil e da Juvenil.

Sou professora de Literatura, trabalho numa universidade em Curitiba. No mestrado, analisei a obra de Marina Colasanti. No doutorado, estudei a série Vaga-lume, enfocando a recepção e a importância da série para a formação do leitor brasileiro nas últimas décadas.

Tenho falado sobre a série em congressos, cursos, oficinas. A foto é de um curso que dei no II Encontro de Literatura Infantil e Juvenil do Paraná, no dia 04 de outubro de 2007.


Procuro analisar a presença da literatura de entretenimento entre os jovens. Para isso, conto com um grupo de cinco alunos, do curso de Letras, da universidade onde trabalho. Cada um deles está lendo um romance policial, cujas autorias variam bastante. Começamos com Voltaire (Zadig), Edgar alan Poe (A carta roubada), chegamos ao Brasil com Rubem Fonseca (Buffo Spallanzani) ,chegamos à literatura juvenil com Marcos Rey (O mistério do cinco estrelas) e Pedro Bandeira(A droga da obediência). em breve apresentaremos nosso trabalho num fórum de literatura.
Espero poder dividir experiências com muitas pessoas. Sou otimista!