segunda-feira, 19 de abril de 2010

Dia de índio


Hoje se comemora no Brasiil o dia do índio. Ainda há pouco encontrei uma crancinha com o rosto pintado e com um cocar de cartolina, onde 3 penas, coloridas, também de cartolina, me indicavam que, na escola, houve festa em homenagem ao indio.
Todos os anos, nesta data, ao ver esse tipo der comemoração, relembro minha visita a uma tribo, perto de Dourados, onde índios kauá vivem em condições quase desumanas.
Resolvi, então, comemorar o dia do índio do meu jeito: com um texto escrito por Daniel Munduruku, essa pessoa íncrível, cujo pensamento, traduzido em excelente texto, nos apresenta um índio diferente daquele caricaturado na literatura de Alencar ou na mídia contemporânea.
Calo-me, para ceder espaço à voz de Munduruku, em homenagem a ele a aos integrantes desses povos, que se extinguem, sem que nada seja efetivamente feito .

SOBRE O TEMPO E O TRABALHO
Daniel Munduruku • Lorena, SP
22/12/2009


“Índio é preguiçoso”, reza a lenda popular calcada numa visão de trabalho tipificada pela revolução industrial que defendia a máxima “tempo é dinheiro”.
Embora seja óbvio o viés etnocêntrico – teoria que preconiza a superioridade de um povo sobre o outro se colocando como referência para tudo – o ocidente construiu um olhar sobre o trabalho colocando-o como o centro da vida, da realização e da dignidade da pessoa humana. E jogou por terra outros pensamentos, outras teorias, outras práticas que não levavam em consideração uma visão de tempo centrada na produção.
Por que, dizem, que o índio é preguiçoso – embora já tenha explicado que esse “índio” não exista – fazendo as pessoas criarem um estereótipo perigoso de povos tão diversos e distintos entre si?
Para o indígena existem dois tempos: o passado e o presente. O passado é memorial. Serve para nos lembrar quem somos, de onde viemos e para onde caminhamos. Um povo sem memória ancestral é um povo perdido no tempo e no espaço. Não sabe para onde caminha e por isso se preocupa tanto aonde vai chegar. O passado é a ordenação de nosso ser no mundo. É ele que nos obriga a sermos gratos, a cantar e dançar ao Espírito Criador. É ele que nos lembra o tempo todo que somos seres de passagem.
O outro tempo é o presente. Para estes povos o tempo que importa é o presente. Meu avô afirmava sempre: “se o momento atual não fosse bom, não se chamaria presente”. Os indígenas são, portanto, seres do presente. Só sabem viver o e no presente. “A cada dia basta sua preocupação”, disse um certo pajé chamado Jesus.
Viver o presente quer dizer que é preciso significar cada momento. Desde o acordar pela manhã até o momento do sonho tem que ser vivido com intensidade. Isso obriga o indígena a estar inteiro numa ação sem desviar-se dela. Uma caçada será frutífera a medida em que o caçador estiver envolvido nela, caso contrário não levará nada para casa.
Viver o presente é olhar para si a cada dia e saber a necessidade daquele momento para o bom andamento da comunidade e fazer o que for bom para ela e não para si. É dar mais atenção ao coletivo do que ao individual. E isso exige um esforço e treinamento do corpo e da mente tão intensos que torna o jovem indígena uma pessoa integral.
O mais importante, no entanto, do que quero dizer é que quem vive o presente não tem necessidade de planejar. Planejamento é a tentativa de congelar os acontecimentos que virão. É ter a ilusão de que se está prevendo o futuro. E o futuro é pura ilusão.
Quando, em tempos antigos, os portugueses tentaram escravizar os indígenas esses não aceitaram aquela imposição. Trabalhar, para o português colonizador, era acumular. Acumulação é uma das dimensões do futuro. Acumula-se, poupa-se, guarda-se com a intenção de utilizar depois, amanhã. Os indígenas não sabem o que é o amanhã. E fugiram da escravidão. Os portugueses inventaram, então, que eles eram preguiçosos demais para aquela função nobre. E assim ficou.
Tempo e trabalho não são sinônimos. Trabalho e dinheiro também não. Trabalho não dignifica se ele escraviza. Trabalho demais nos dá tempo de menos. E tempo de menos tira da gente a alegria do encontro com os pais, com os filhos, com os amigos. Só o presente é um presente. O futuro é uma promessa que pode nunca chegar. Os indígenas sabem disso. Por isso vivem o momento.
Daí depreende-se também muitas explicações sobre a essência do ser indígena. Quem tem sensibilidade saberá distinguir diferentes pensamentos presentes em nosso mundo e descobrirá que a diversidade nos torna ainda mais coloridos.
E queria dizer que é muito mais difícil viver o presente. Exige muito mais de cada um. O sonho – o futuro – nos desobriga a olhar para o lado e ver a necessidade diária do outro. O futuro nos torna egoístas e mesquinhos. Só o presente nos compromete.

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