terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Discurso de paraninfa


No dia 29 de janeiro de 2008, tive a honra de ser paraninfa da turma de Português/Espanhol que se formou ao final de 2007, na PUCPR. Em meu discurso, fiz algumas reflexões, que gostaria de dividir com quem leia este blog.


Meus queridos afilhados, mis queridos alunos, buenas notches....
Estar hoje , aqui, com vocês, compartilhar este momento especial, decisivo em suas vidas, é muito importante para mim, por vários motivos.
Em primeiro lugar, quero agradecer-lhes a honra deste título de paraninfa que me deram e que manterá nossos nomes unidos, no belo convite prateado, eleito por vocês, para registrar esta hora preciosa. Serei sempre a madrinha desta turma de Espanhol, formandos de 2007, escolhida em conseqüência do trabalho e da amizade que desenvolvemos durante o tempo passado juntos .
Lembro bem o início, nos primeiros períodos, quando a turma era enorme, mal cabia na sala, pois uniam-se os alunos de Português e Espanhol, para as aulas de Gêneros Literários. Quanta confusão naquela época! Lembram? Aos poucos, foram amadurecendo, a turma foi diminuindo e hoje os quinze alunos que aqui estão são aqueles que superaram tudo, que ultrapassaram as muitas barreiras para realizarem a conquista de um diploma universitário: são o “creme de la creme”.
Assim, testemunhar a alegria deste momento em que vocês chegam ao fim de uma etapa , que tão poucos brasileiros conseguem começar , é também um privilégio.
Por tudo isso, acho importante que, como madrinha desta turma, eu faça uma pequena reflexão sobre o lugar de vocês nesta sociedade, para o qual vocês têm se preparado.
Vivemos um momento em que a civilização está em crise, quando a imaginação está sendo morta pela presença maciça das imagens (todos conhecem o clichê : uma imagem vale mais que mil palavras) e as faculdades de pensar se atrofiam. Então, a formação de professores de Línguas e Literaturas, ganha importância, pois representa mais um ponto de resistência contra a mediocridade, pois sabemos a importância da leitura, conhecemos os vários universos possíveis e, por isso mesmo, podemos orientar nossos alunos na contra- mão da mediocridade que caracteriza estes tempos.
Wilson Martins afirma, em sua obra “A palavra escrita”, que vivemos num mundo em que “a palavra escrita perdeu a sua dignidade, em que o homem, deixando cada vez mais de pensar, se infantiliza vertiginosamente”. Por isso, continua o autor, é que o livro está em crise, pois “o livro é a conseqüência necessária do raciocínio e não pode existir, nem se compreende que exista, onde o raciocínio desapareceu.”
Se relembrarmos algumas declarações, feitas em cadeia nacional, podemos ter melhor dimensão de como a situação exposta por Wilson Martins se aplica em nosso país. Há um tempo atrás, um certo ex torneiro mecânico, com a intenção de estimular os jovens à leitura, declarou : “Sei que ler é chato, mas é necessário...” Semana passada, Fernando, um das participantes do “Big Brother 8”, vangloriando-se do grande feito, declarou : “Graças a Deus, nunca fui de ler livro!” E aqui estamos nós, professores do curso de Letras, a exigir que os alunos leiam, raciocinem, questionem, critiquem...Graças a Deus, digo eu!
Persistimos no valor da inteligência, da crítica, da capacidade de discernir que são alimentadas pela leitura. Persistimos na importância do professor, mesmo quando esse título perde o antigo prestígio e o ensino passa ser visto como mais uma mercadoria a ser vendida.
Tenho sido professora a minha vida inteira. Não saberia ser outra coisa . Sinto orgulho do que sou e de poder contribuir para a formação de novos professores, porque apesar dos baixos salários, do desprestígio que em nosso país existe em relação a nossa profissão, não consigo ver outra que seja mais digna, mais necessária.
Hoje, temos ouvido algumas crianças dizerem que não adianta estudar, que tem gente com pouco estudo que ocupa cargos de extrema importância em nosso país, mas não posso e não quero ver isso como uma regra. Creio que este é apenas um momento, que irá passar, para dar à boa formação o lugar que lhe é de direito. Da mesma forma, analisando as várias profissões- e a cada dia surgem muitas novas- vejo que pouquíssimas podem se realizar sem a ajuda de professores.
Há, portanto, que se alterar o quadro atual, que se valorizar o professor, reverenciado em tantos países, apontado pelo povo, aqui mesmo no Brasil, segundo pesquisa recente, à frente de várias outras profissões, como o segundo profissional mais confiável. Há que se mudar o quadro atual e aí, meus queridos afilhados, estarão vocês, já prontos para dar sua contribuição à sociedade, para “transmitir com lealdade , integridade e honestidade os ensinamentos humanos e científicos que façam dos jovens confiados a vocês cidadãos conscientes”, porque vocês já o são, foram formados para isso, e me orgulho de ter contribuído para essa formação.
Mas, a minha área é a Literatura. Foi ela que nos aproximou e é a ela que busco, para finalizar este discurso.
Meus conhecimentos de espanhol são parcos, vocês sabem, mas vou me atrever a citar Borges, em homenagem a vocês, para que, depois das reflexões um tanto sombrias que fiz acima, possamos nos voltar para o céu, para as estrelas. Em sua sabedoria, o poeta criou o seguinte haicai:

“Em el desierto
acontece la aurora
alguien lo sabe”

Quem, melhor que vocês , que lutaram tanto por uma nova aurora, para serem esse alguém? Ela há de vir, nós sabemos, e vocês saberão apreciá-la....
E é também do céu que trago minhas palavras finais, na voz de uma nossa antiga conhecida: Marina Colasanti, na forma de um pequeno conto, retirado do livro “Contos de amor rasgados”: No mar sem hipocampos

Assim que anoiteceu, saiu para pescar. Peixes não, estrelas.
Afastou-se da casa, atravessou um campo até seu limite.
Na linha do horizonte, sentado à beira do céu, abriu a caixa de frases poéticas que havia trazido como iscas. Escolheu a mais sonora, prendeu-a firmemente na rebarba luzidia.
Depois, pondo-se de cabeça para baixo, lançou a linha no imenso azul, deixando desenrolar todo o molinete.
E , pacientemente, enquanto a Lua avançava sem mover ondas, começou a longa espera de que uma estrela viesse morder o seu anzol.

“Ora direis ouvir estrelas!” Não os quero nefelibatas, meus afilhados, nem andando de cabeça para baixo. É preciso estar com os pés no chão para seguir em frente, mesmo porque a estrada é difícil, mas é necessário também acreditar em uma nova aurora e sonhar em alcançar estrelas, para que possamos fazer de nossas vidas algo melhor. Aqui, em nosso curso de Português –Espanhol, esperamos ter contribuído para o estoque de frases poéticas, que lhes permitam muitas noites de pescaria...
Além disso, sendo eu professora, assim como vocês o são agora, depois de um longo percurso , digo a vocês , do fundo de meu coração, que vale buscar o céu, porque no meio do caminho, se encontramos pedras, achamos também estrelas, como vocês, que brilharão, para sempre, na minha lembrança....
Asta la vista....